Resumo
Para um maior entendimento da turma
sobre currículo e compreensão do seu significado no processo educacional, é
preciso conhecer os caminhos pelos quais seus estudos foram feitos. Neste
seminário, que é ponto alto da disciplina, desenvolvemos análises sobre as
teorias do currículo, as suas questões
centrais e como as mesmas atuam em nossa prática. Por meio destes estudos,
podemos perceber a educação sob uma nova visão, bem como compreender que o currículo
é cheio de significados culturais, compreender as relações de poder e de espaço que envolve aquilo que somos e em que nos
tornamos.
Palavras-chave: Currículo. Educação. Conteúdo.
Relações de poder. Prática.
1 INTRODUÇÃO
Em meados de 1920, surgi a
preocupação com a ideia de currículo como objeto de estudo. A aparição de seus
estudos teve ligação com o processo de massificação da escolarização e com a
intensa industrialização. Período voltado a racionalização do processo de
construção e de desenvolvimento, essa preocupação partia, principalmente, das
pessoas que estavam ligadas à administração da educação. O conceito de
currículo como uma especificação precisa de objetos, procedimentos e métodos
para obtenção de resultados que podem ser medidos passou a ser aceito pela
maioria das escolas, professores, estudantes e administradores escolares. No
entanto, como esta questão apresenta grande importância no processo
educacional, passou a ser vista como um campo profissional de estudo e pesquisas,
fazendo com que surgissem outras teorias para questionar o currículo e assim,tentar
explicá-lo.
No início, estas teorias buscavam
responder:
Qual conhecimento deve ser ensinado?
O que os alunos devem saber?
Qual conhecimento ou saberes são
válidos?
O seminário pretende, através das
apresentações dos grupos, evidenciar o
currículo como parte integrante do cotidiano da escola e que este influencia
direta e indiretamente nos sujeitos que fazem parte do processo escolar e da
sociedade em geral, determinando a visão de mundo não só dessa sociedade, mas
também de nossas atitudes e decisões neste meio.
2 TEORIAS SOBRE O CURRÍCULO
Algumas teorias sobre o currículo
apresentam-se como teorias tradicionais, que pretendem ser neutras, científicas
e objetivas, enquanto outras, chamadas teorias críticas e pós-críticas,
argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que
implica relações de poder e demonstra a preocupação com as conexões entre
saber, identidade e poder.
2.1 TEORIA TRADICIONAL
A teoria tradicional procura ser
neutra, tendo como principal foco identificar os objetivos da educação
escolarizada, formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação
geral, acadêmica, à população. Silva (2003) explica que essa teoria teve como
principal representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo em um momento no
qual diversas forças políticas, econômicas e culturais procuravam envolver a
educação de massas para garantir que sua ideologia fosse garantida. Sua
proposta era que a escola funcionasse como uma empresa comercial ou industrial.
Segundo Silva (2003, p.23),
[...] de acordo com Bobbit, o sistema
educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus
objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas
habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais
da vida adulta.
O modelo que Bobbit propunha era
baseado na teoria de administração econômica de Taylor e tinha como
palavra-chave a eficiência. O currículo era uma questão de organização e
ocorria
de forma mecânica e burocrática. A
tarefa dos especialistas em currículo consistia em fazer um levantamento das
habilidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas habilidades
fossem desenvolvidas e, finalmente, em planejar e elaborar instrumentos de
medição para dizer com precisão se elas foram aprendidas. Estas idéias
influenciaram muito a educação nos EUA até os anos de 1980 e em muitos países,
inclusive no Brasil.
De acordo com Silva (2003 p.25),
Ralph Tyler consolidou a teoria de
Bobbit quando propõe que o desenvolvimento do currículo deve responder a quatro
principais questões: que objetivos educacionais devem a escola procurar
atingir; que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham
probabilidade de alcançar esses propósitos; como organizar eficientemente essas
experiências educacionais e como podemos ter certeza de que esses objetivos
estão sendo alcançados.
Tyler também determinou como
identificar ou onde encontrar as respostas às perguntas por ele propostas para
elaborar o currículo. Para Tyler, deveriam ser feitos estudos sobre os próprios
aprendizes, sobre a vida contemporânea fora da educação, bem como obter
sugestões dos especialistas das diversas disciplinas. (SILVA, 2003). Mas, para
fazer esse levantamento, as pessoas envolvidas deveriam respeitar a filosofia
social e educacional com a qual a escola estivesse comprometida e a psicologia
da aprendizagem.
Numa linha mais progressista, mas
também tradicional, apresenta-se a teoria de Dewey, na qual aparecia mais a
preocupação com a democracia do que com o funcionamento da economia. (SILVA,
2003). Essa teoria dava, também, importância aos interesses e às experiências
das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava mais direcionado à prática de
princípios democráticos, sendo a escola um local para estas vivências. Em sua
teoria, Dewey não demonstrava tanta preocupação com a preparação para a vida
ocupacional adulta.
A questão principal das teorias
tradicionais pode ser assim resumida: conteúdos, objetivos e ensino destes
conteúdos de forma eficaz para ter a eficiência nos resultados.
2.2 TEORIAS CRÍTICAS
Em meio aos muitos movimentos sociais
e culturais que caracterizaram os anos de 1960 em todo o mundo, surgiram às
primeiras teorizações questionando o pensamento e a estrutura educacional
tradicional, em específico, aqui, as concepções sobre o currículo. As teorias
críticas preocuparam-se em desenvolver conceitos que permitissem compreender,
com base em uma análise marxista, o que o currículo faz. No desenvolvimento
desses conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia. Além disso,
vários pensadores elaboraram teorias que foram identificadas como críticas e,
embora tivessem uma linha semelhante de pensamento, apresentavam suas
individualidades.
Segundo Silva (2003), Althusser,
filósofo francês, fez uma breve referência à educação em seus estudos, nos
quais pontuou que a sociedade capitalista depende da reprodução de suas
práticas econômicas para manter a sua ideologia. Sustentou que a escola é uma
forma utilizada pelo capitalismo para manter sua ideologia, pois atinge toda a
população por um período prolongado de tempo.
Pelo currículo, ainda na visão de
Althusser, a ideologia dominante transmite seus princípios, por meio das
disciplinas e conteúdos que reproduzem seus interesses, dos mecanismos
seletivos que fazem com que crianças de famílias menos favorecidas saiam da
escola antes de chegarem a aprender as habilidades próprias das classes
dominantes, e por práticas discriminatórias que levam as classes dominadas a
serem submissas e obedientes à classe dominante. (SILVA, 2003).
Analisando as relações sociais da
escola, Bowles e Gintis, de acordo com Silva (2003), apontaram uma outra
questão para responder à questão sobre como a escola é reprodutora de um
sistema dominante:
A escola contribui para esse processo
não propriamente através do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao
espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As
escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações
sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem a
subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões
superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais
os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia.
(SILVA, 2003, p. 33).
É possível perceber a prática
mencionada por Silva (2003) no processo escolar atual fazendo relação,
principalmente, entre as escolas particulares e as públicas, e também dentro
delas, sobretudo nas públicas, onde as relações internas favorecem alunos mais
favorecidos economicamente. Assim, as escolas reproduzem os aspectos
necessários para a sociedade capitalista: trabalhadores adequados a cada
necessidade dos locais de trabalho, líderes para cargos de chefia e líderes
obedientes e subordinados para os cargos de produção.
Os sociólogos Boudieu e Jean-Claude,
segundo Silva (2003), desenvolveram uma crítica sobre a educação afastando-se
um pouco das análises marxistas. Em seus estudos, propuseram que a reprodução
social ocorre por meio da cultura, ou seja, ocorre na reprodução cultural; que
pela transmissão da cultura dominante fica garantida a sua hegemonia; que o que
tem valor é a cultura dominante, os seus valores, gostos, costumes e os seus hábitos, que
passam a ser considerada a “cultura”, desprezando os costumes e valores das
classes dominadas, os quais, por sua vez, passam a não ter valor. (SILVA, 2003).
Aqui, não propomos que uma ou outra esteja certa ou que apenas os valores
culturais da classe dominante ou da dominada sejam válidos, pois é necessário
analisar a forma como é trabalhada na escola essa cultura dominante.
[...] a escola não atua pela inculcação
da cultura dominante às crianças e jovens das classes dominantes, mas, ao
contrário, por um mecanismo que acaba por funcionar como mecanismo de exclusão.
O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na
linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante. As
crianças das classes dominantes podem facilmente compreender esse código, pois
durante toda sua vida elas estiveram imersas, o tempo todo, nesse código. [...]
Em contraste, para as crianças e jovens das classes dominadas, esse código é
simplesmente indecifrável.
(SILVA, 2003, p. 35).
A reprodução cultural, então, atua
como educação excludente, eliminando do processo educacional as crianças de
famílias menos favorecidas que não têm como compreender a linguagem e os
processos culturais das classes dominantes. Nesse caso, o resultado ocorre da
seguinte forma: as crianças das classes dominantes são bem-sucedidas e alcançam
um grau mais elevado de escolarização, e as das classes dominadas são excluídas
da escola ou apenas frequentam até um nível básico da educação. Defendem
Moreira e Silva (2001, p. 27) que:
Na concepção crítica, não existe uma
cultura da sociedade, unitária, homogênea e universalmente aceita e praticada
e, por isso, digna de ser transmitida às futuras gerações através do currículo.
Em vez disso, a cultura é vista menos como uma coisa e mais como um campo e
terreno de luta. Nessa visão, a cultura é o terreno em que se enfrentam
diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta
e não aquilo que recebemos.
A partir desta análise, entendemos
que não existe uma ou outra cultura, sendo que a mesma é construída no processo
educacional e social e não pode ser apenas transmitida, pois os sujeitos que
estão envolvidos nesse processo devem participar desse “terreno de luta”,
criando e dando sentido aos seus conhecimentos.
A reconceptualização foi mais um
movimento que demonstrou a grande insatisfação das pessoas envolvidas com o
estudo do currículo em relação aos parâmetros estabelecidos por Bobbit e Tyler.
Essas pessoas passaram a perceber que o currículo não poderia ser compreendido
apenas de forma burocrática e mecânica, sem relação com as teorias sociais da
época. As teorias se apresentaram, então, de um lado, críticas, baseadas nas
estruturas políticas e econômicas e na reprodução cultural e social e, por
outro lado, surgiram as críticas inspiradas em estratégias interpretativas de
investigação, como a fenomenologia e a hermenêutica.
A ênfase das teorias críticas estava
no significado subjetivo dado às experiências pedagógicas e curriculares de
cada indivíduo. Isso significava observar as experiências cotidianas sob uma
perspectiva profundamente pessoal e subjetiva, levar em consideração as formas
pelas quais estudantes e docentes desenvolviam, por meio de processos de
negociação, seus próprios significados sobre o conhecimento. Embora tenham
tentado identificar tanto as teorias marxistas como as ligadas à fenomenologia
com o movimento reconceptualista, os pensadores ligados às ideias marxistas não
queriam muito essa identificação em virtude do aspecto estritamente subjetivo
de sua teoria.
Na perspectiva fenomenológica, o
currículo não é, pois, constituído de fatos, nem mesmo de conceitos teóricos e
abstratos: o currículo é um local no quais docentes e aprendizes têm a
oportunidade de examinar, de forma renovada, aqueles significados da vida
cotidiana que se acostumou a ver como dados naturais. (SILVA, 2003, p. 40).
Entre as teorias de currículos
baseadas nas análises sociais de Marx, surgiu a elaborada por Apple, que teve
grande influência na educação. Para Apple, conforme Silva (2003), a seleção que
constitui o currículo é o resultado de um processo que reflete os interesses
particulares das classes e dos grupos dominantes. A questão não é apenas qual
conhecimento é verdadeiro, mas qual é considerado verdadeiro e quem o considera
verdadeiro. Considera importante analisar tanto valores, normas e disposições,
quanto os pressupostos ideológicos das disciplinas que constituem o currículo
oficial. A escola, além de transmitir conhecimento, deve ser, também, produtora
de conhecimento. Apple faz uma intensa crítica à função da escola como simples
transmissora de conhecimentos determinados por interesses dominantes, principalmente
valores capitalistas, e questiona o papel do professor nesse processo.
De acordo com Silva (2003), Henry
Giroux acreditava que as teorias tradicionais, ao se concentrarem em critérios
de eficiência e racionalidade burocrática, deixavam de levar em consideração o
caráter histórico, ético e político das ações humanas e sociais e do
conhecimento, contribuindo, assim, para a reprodução das desigualdades e das
injustiças sociais. Compreende o currículo por meio dos conceitos de
emancipação e libertação.
É através de um processo pedagógico
que permita às pessoas se tornar conscientes do papel de controle e poder
exercido pelas instituições e pelas estruturas sociais que elas podem se tornar
emancipadas ou libertadas de seu poder e controle. (SILVA, 2003, p. 54).
É por meio do currículo e na escola
que as crianças devem exercer práticas democráticas. No processo educacional,
elas deverão participar discutir e colocar em questão as práticas sociais,
políticas e econômicas, analisando seu contexto e percebendo seu caráter de
controle. Assim, poderão ter atitudes de emancipação e libertação. Os
professores possuem responsabilidade no sentido de serem pessoas atuantes neste
processo, permitindo e instigando o aluno a participar e questionar, bem como
propondo questões para que reflitam. Os estudantes devem ter seu espaço para
serem ouvidos e suas ideias serem consideradas.
Numa pedagogia oposta à pedagogia do
colonizador (que na falta de melhor expressão chamamos de pedagogia do
conflito), o educador reassume a sua educação e seu papel eminentemente
crítico: à contradição (opressor-oprimido, por exemplo), ele acrescenta a
consciência da contradição, forma gente insubmissa, desobediente, capaz de
assumir a sua autonomia e participar na construção de uma sociedade mais livre.
(GADOTTI, 1989, p. 53). Silva (2003) compara a teoria de Giroux ao que diz
Gadotti (1989) quando se refere à pedagogia do colonizador, contra uma
pedagogia do conflito, destacando o papel fundamental do professor na busca
pela formação da consciência de seus alunos para não apenas receberem
informações, mas refletirem sobre elas, questioná-las e, se necessário, se
posicionarem contra. Silva (2003, p. 55) expressa que Giroux vê a pedagogia e o
currículo através da noção de ‘política cultural’. O currículo não está
simplesmente envolvido com a transmissão de ‘fatos’ e conhecimentos ‘objetivos’.
O currículo é um local onde ativamente se produzem e se criam significados
sociais.
Os significados que Silva (2003)
menciona estão ligados às relações sociais de poder e desigualdade e devem ser
questionados e contestados.
Freire (2003), embora não tenha
elaborado uma teoria sobre currículo, acaba discutindo esta questão em suas
pesquisas. Sua análise está mais baseada na filosofia e voltada para o
desenvolvimento da educação de adultos em países subordinados à ordem mundial.
A crítica de Freire (2003) ao currículo está resumida no conceito de educação
bancária, que concebe o conhecimento como constituído por informações e fatos a
serem simplesmente transferidos do professor para o aluno, instituindo, assim,
um ato de depósito bancário. Freire (2003) ainda critica que a educação se
resume apenas em transmitir o conhecimento, e que o professor tem um papel
ativo, enquanto o aluno, de recepção passiva. O currículo está, dessa forma,
desligado da situação existencial das pessoas envolvidas no ato de conhecer.
Freire (2003) propõe um novo conceito
de educação problematizadora, no qual defende que não existe uma separação
entre o ato de conhecer e aquilo que se conhece e que o conhecimento é sempre
intencionado, ou seja, dirigido para alguma coisa. O conhecimento envolve
intercomunicação e é por meio dela que os homens se educam. Freire (2003)
concebe o ato pedagógico como um ato dialógico e utiliza, em seus escritos, o
termo conteúdos programáticos. No entanto, existe uma diferença em relação às
teorias tradicionais, especificamente na forma como se constroem estes
conteúdos.
Em seu método, Freire (2003) utiliza
as próprias experiências de seus alunos para determinar os conteúdos
programáticos, tornando, assim, o conhecimento significativo para quem aprende.
No entanto, não nega o papel dos especialistas para organizar os temas de forma
interdisciplinar. Os conteúdos são definidos junto com os ALUNOS e na realidade
em que estão situados. Freire (2003) elimina a diferença entre cultura popular
e cultura erudita e permite que a primeira também seja considerada conhecimento
que legitimamente faz parte do currículo.
Segundo Silva (2003), outro movimento
crítico em relação às teorias de currículo ocorreu na Inglaterra, com Michael
Young. Essa crítica era baseada na sociologia e passou a ser conhecida como
Nova Sociologia da Educação. Diferentemente das outras teorias que tinham como
base as críticas sobre as teorias tradicionais de educação, esta tinha como
referência a antiga sociologia da educação, que seguia uma tradição de pesquisa
empírica sobre os resultados desiguais produzidos pelo sistema educacional,
preocupada principalmente com o fracasso escolar de crianças das classes
operárias. Porém, essas pesquisas fundamentavam-se nas variáveis de entrada,
classe social, renda e situação familiar, e nas variáveis de saída, resultado
dos testes escolares, sucesso ou fracasso escolar, deixando de verificar o que
acontecia entre esses dois pontos.
A Nova Sociologia da Educação tinha
uma preocupação com o processamento de pessoas, e não do conhecimento. Segundo
Silva (2003, p. 66), “A tarefa de uma sociologia do currículo consistiria
precisamente em colocar essas categorias em questão, em desnaturalizá-las, em
mostrar seu caráter histórico, social, contingente, arbitrário”. A questão básica
era a conexão entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a
distribuição de poder. Questionava por que era atribuída mais importância a
certas disciplinas e conhecimentos do que a outros.
Basil Berstein também, de acordo com
Silva (2003), elaborou sua teoria na linha sociológica, definindo que a
educação formal encontra sua realização em três sistemas de mensagem: o currí- culo,
a pedagogia e a avaliação. O currículo define o que conta como conhecimento
válido; a pedagogia define o que conta como transmissão válida do conhecimento;
e a avaliação, o que conta como realização válida desse conhecimento. Sua
preocupação estava na organização estrutural do currículo e como os diferentes
tipos de organização estão ligados a princípios diferentes de poder e controle.
Nos estudos sobre currículo,
percebemos que nem tudo o que ocorre no processo pedagógico está explícito nos
currículo. Fazemos referência ao currículo oculto, que não constitui
propriamente uma teoria, mas está presente no cotidiano da educação ou da
escola. Podemos dizer que envolve processos que estão implícitos na escola, mas
que fazem parte do processo de ensino e aprendizagem. De acordo com Silva
(2003, p.78), “O currículo oculto é constituído por aqueles aspectos do
ambiente escolar que, sem fazerem parte do currículo oficial, explícito,
contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes”. Ele está
presente nas relações sociais da escola. São os comportamentos, os valores e as
atitudes que estão presentes na aprendizagem.
As experiências na educação
escolarizada e seus efeitos são, algumas vezes, desejadas e outras,
incontroladas; obedecem a objetivos explícitos ou são expressões de proposição
ou objetivos implícitos; são planejados em alguma medida ou são fruto de
simples fluir da ação. Algumas são positivas em relação a uma determinada
filosofia e projeto educativo e outras nem tanto ou completamente contrárias.
(SACRISTÁN, 2000 p. 43).
São as ações implícitas que
caracterizam o currículo oculto. Estão presentes, mas não estão organizadas ou
planejadas no currículo e tanto podem ser positivas como negativas. Para as
teorias críticas, estas ações geralmente ensinam o conformismo, a obediência e
o individualismo, ou seja, comportamentos que mantêm a ideologia dominante.
Podemos identificar os elementos que
contribuem para esta aprendizagem no cotidiano escolar, nas relações, quando
ensinamos rituais, regras e regulamentos, na divisão entre os mais capazes e
menos capazes, na divisão do tempo, na pontualidade, na organização dos espaços
e, até mesmo, nas questões de gênero. É necessário desocultar o currículo para
perceber o que envolve estas práticas e estes conhecimentos. Devemos perceber o
que está por trás dessas atitudes para podermos modificá-las dando-lhes novos
objetivos.
2.3 TEORIAS PÓS-CRÍTICAS
Podemos começar a falar sobre as
teorias pós-críticas analisando o currículo multiculturalista, que destaca a
diversidade das formas culturais do mundo contemporâneo. O multiculturalismo,
mesmo sendo considerado estudo da antropologia, mostra que nenhuma cultura pode
ser julgada superior a outra. Em relação ao currículo, o multiculturalismo
aparece como movimento contra o currículo universitário tradicional que
privilegiava a cultura branca, masculina, europeia e heterossexual, ou seja, a
cultura do grupo social dominante. A partir desta análise, houve a proposição
de que o currículo também incluísse aspectos de formas mais representativas das
diversas culturas dominadas. Assim surgiram duas perspectivas: a liberal ou
humanista e a mais crítica.
A linha liberal defende ideias de
tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas, e a visão
crítica pontua que, dessa forma, permaneceriam intactas as relações de poder,
em que a cultura dominante faria o papel de permitir que outras for- mas
culturais tivessem seu “espaço”. De acordo com Silva (2003, p. 90), “O
multiculturalismo mostra que o gradiente da desigualdade em matéria de educação
e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e
sexualidade, por exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe”.
As desigualdades criadas dentro do
processo escolar não aparecem apenas nas relações de poder entre grupos
dominantes a partir de questões econômicas, mas também nas diferenças raciais,
de sexo e gênero, quando são colocados como dominantes valores, como a
superioridade masculina e a branca.
As relações de gênero são uma das questões
muito presentes nas teorias pós-críticas, que questionam, como já foi dito, não
apenas as desigualdades de classes sociais. Neste caso, o feminismo aparece
para questionar o predomínio de uma cultura extremamente patriarcal, na qual
existe uma grande desigualdade entre homens e mulheres. Inicialmente, a
principal questão dizia respeito ao acesso, ou seja, o acesso à educação era
desigual para homens e mulheres e, dentro do currículo, havia distinções de
disciplinas masculinas e femininas. Assim, certas carreiras eram exclusivamente
masculinas sem que as mulheres tivessem oportunidade.
Numa segunda fase desta análise, foi
questionado que o simples acesso às instituições e conhecimentos tidos como
masculinos não bastava para o valor feminino ser percebido. Segundo Silva
(2003, p. 93), “O simples acesso pode tornar as mulheres iguais aos homens -
mas num mundo ainda definido pelos homens”. Dessa forma, a intenção era que os
currículos percebessem as experiências, os interesses, os pensamentos e os conhecimentos
femininos, dando-lhes igual importância.
O currículo oficial valorizava a
separação entre sujeitos, o domínio e o controle, a racionalidade e a lógica, a
ciência e a técnica, o individualismo e a competição, tudo o que reflete
experiências e interesses masculinos. Por meio de discussões curriculares sobre
gênero, procuramos perceber os interesses e valores femininos, como importância
das ligações sociais, intuição, artes e estética, comunitarismo e cooperação. O
que pretendemos não é utilizar apenas uma forma ou outra, mas equilibrar, por
meio do currículo, todos estes interesses e particularidades para conseguir um
equilíbrio.
As questões raciais e étnicas também
começaram a fazer par- te das teorias pós-críticas do currículo, tendo sido
percebida a problemática da identidade étnica e racial. O currículo não pode se
tornar multicultural apenas incluindo informações sobre outras culturas.
Precisa considerar as diferenças étnicas e raciais como uma questão histórica e
política. É essencial, por meio do currículo, desconstruir o texto racial,
questionar por que e como valores de certos grupos étnicos e raciais foram
desconsiderados ou menosprezados no desenvolvimento cultural e histórico da
humanidade e, pela organização do currículo, proporcionar os mesmos
significados e valores a todos os grupos, sem supervalorização de um ou de
outro.
Na visão pós-estruturalista que
analisa as questões de significado, do que é considerado verdadeiro em termos
de conhecimento, os significados são o que são porque foram socialmente assim
definidos. Portanto, os campos de significação são caracterizados por sua
indeterminação e por sua conexão com o poder. Assim, a noção de verdade também
é questionada e por que algo é considerado verdade. A questão não é, pois,
saber se algo é verdadeiro, mas saber por que esse algo se tornou verdadeiro. A
perspectiva pós-estruturalista coloca em dúvida as atuais e rígidas separações
curriculares, além de todo o conhecimento.
A teoria pós-colonial, juntamente com
o feminismo e com o movimento negro, procurou incluir as formas culturais e
experiências de grupos sociais descriminados pela identidade européia
dominante. Teve como objetivo estudar as relações de poder entre nações que
compõem a herança econômica, política e cultural de seus países colonizadores.
Questionou as relações de poder e as formas de conhecimento pelas quais a
posição européia se mantém privilegiada. Existe uma preocupação com as formas
culturais que estão no centro da sociedade de consumo que definem novas idéias
de imperialismo cultural, mantendo sempre a hegemonia das culturas
colonizadoras.
2.4 BREVE ANÁLISE ENTRE TEORIA E
PRÁTICA
Considerando as teorias apresentadas,
compreendemos o papel político presente no currículo e que ele não é algo
neutro. Procurando analisar o currículo de uma forma mais objetiva e prática,
percebemos que ele é de suma importância para a organização da ação pedagógica.
Não temos a intenção de encontrar um conceito. Entretanto, para conseguir
relacioná-lo à prática, é necessário pontuar algumas de suas intenções, o que
acaba, de certa forma, conceitualizando-o.
Para Sacristán (2000, p. 15), “Quando
definimos currículo, estamos descrevendo a concretização das funções da própria
escola e a forma particular de enfocá-las num momento histórico e social
determinado, para um nível de modalidade de educação, numa trama institucional,
etc.” O currículo, então, é um meio pelo qual a escola se organiza, propõe os
seus caminhos e a orientação para a prática. Não podemos pensar numa escola sem
pensar em seu currículo e em seus objetivos. Todavia, não estamos propondo isto
apenas de forma burocrática e mecânica, como propunha a teoria tradicional, mas
percebendo todo o contexto em que isto ocorre e as conseqüências na prática
pedagógica e na formação do educando.
As funções que o currículo cumpre
como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de
seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo
isso se produz ao mesmo tempo: conteúdos (culturais ou intelectuais e
formativos), códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se
expressam e mode-
lam conteúdos e formas. (SACRISTÁN,
2000, p. 16).
Assim, para determinar os conteúdos,
os códigos pedagógicos e as ações em nossos currículos, devemos perceber o que
queremos, que crianças e adultos queremos formar, qual o papel do professor e
da escola neste processo, sem nos esquecermos de que o currículo possui seu
papel social, político e ideológico.
Todas as finalidades que se atribuem
e são destinadas implícita ou explicitamente à instituição escolar, de
socialização, de formação, de segregação ou de integração social, etc., acabam
necessariamente tendo um reflexo nos objetivos que orientam todo o currículo,
na seleção de componentes do mesmo, desembocam numa divisão especialmente
ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas próprias atividades
metodológicas às quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemas
relacionados com o currículo não é senão uma conseqüência da consciência de que
é por meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como
instituição. (SACRISTÁN, 2000, p. 17).
Como o currículo organiza as funções
da escola e os seus elementos refletem seus objetivos, devemos dar a
importância devida a esse processo e perceber que a escola precisa ter o seu
currículo, não apenas como grade curricular, mas abrangendo de forma
interligada todas as suas finalidades, as quais já foram pontuadas. Além de
perceber seu papel fundamental, também é necessário constante verificação, análise,
interpretação e reelaboração, para mantê-lo atualizado e nele perceber, por
meio da prática, o que estamos reproduzindo ou produzindo, transmitindo ou
construindo. O professor deve se perceber como participante no processo de
elaboração e reelaboração, não se esquecendo de seu papel de educador.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este Seminário, não teve como objetivo último, conceitualizar
simplesmente currículo, mas de compreender o currículo, sua função, seus
efeitos e seu significado.
Nas primeiras apresentações dos
grupos sobre o currículo, as alunas procuraram
mostrar que os estudos sobre currículo tiveram um papel puramente burocrático e
mecânico, com questões relacionadas a procedimentos, técnicas, métodos e
avaliação, comparando a escola a uma empresa. Em nossas ligações e análises com
o cotidiano escolar, foi possível perceber
que muitos profissionais possuem esta visão de currículo e que, em suas
práticas, não conseguem perceber o seu papel social e político que o currículo
exerce. Nos estudos sobre as teorias críticas e pós-críticas, abordadas pelos
últimos grupos, foi possível constatar que estas teorias surgiram para repensar o papel do currículo,
que se diz neutro, no currículo tradicional, e questionar a pura transmissão de
conhecimentos elaborados por um determinado grupo. Com os estudos sobre as
teorias críticas, a turma descobriu que estas atacaram as perspectivas
empíricas sobre o currículo tradicional. Foi possível entender através das
discussões que as bases da teoria crítica são estudos sociológicos, filosóficos
e antropológicos, sendo as ideias de Marx bastante marcantes. A partir dessas ideias,
o currículo passou a ser um espaço de poder, um meio pelo qual é reproduzida e
mantida uma ideologia dominante, podendo também ser um espaço de construção, de
libertação e de autonomia.
Após
o estudo das teorias, pudemos conhecer, de forma mais complexa, a sua essência,
as relações de poder que as envolve, o cunho política, econômico, cultural e
racial que está por trás da construção de um currículo, o qual, numa visão
menos atenta, acaba passando despercebido. Uma coisa é certa:
Existem questões que permeiam o currículo
e que devem ser olhadas com lentes especiais, pois com totalidade determinam
nossa prática, fazendo com que, sem termos a visão nítida do processo,
reproduzamos os interesses das classes dominantes.
O seminário sobre as teorias do
currículo se fez necessário e pertinente à disciplina para compreendermos a
escola com um olhar mais crítico, ampliar nosso campo de conhecimentos e nossas
práticas
A compreensão das teorias sobre
currículo se faz importante para compreendermos a história e os interesses que
envolvem a construção dos mesmos, para percebemos com olhar mais crítico nossos
currículos, o que eles trazem e fazem e em que precisam mudar.
4 REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. Pedagogia do
oprimido. 35. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder:
introdução à pedagogia do conflito. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. (orgs.). Currículo, cultura
e sociedade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo:
uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SILVA,
Tomaz Tadeu da Silva. Documentos de identidade: uma introdução às
teorias do currículo. 2. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003.