domingo, 18 de setembro de 2011

Professor pra quê? Uma nova e revolucionária perspectiva sobre a educação atual.

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O tema é interessante e atual.
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Boa leitura.

Recentemente estive em uma escola municipal conversando com um grupo de professores sobre educação. Muito se falou sobre a desvalorização do profissional, da necessidade de melhorar a auto-estima do professor, de melhor remuneração, entre outras diversas mesmas coisas que envolvem esse tema. Em um momento da conversa, um professor me fez a seguinte pergunta: “Marcelo, quando você acha que o professor deixou de ser valorizado ao longo da história?”. Essa pergunta me fez refletir por um bom tempo. Deixei para respondê-la ao final da palestra. Enquanto continuava a conversar com aquele grupo sobre escola, educação e pedagogia, aquela pergunta do professor me fez compreender melhor o meu próprio discurso. Ao final da palestra, senti-me pronto para dar a resposta: “Penso eu, que a função do professor deixou de ser valorizada quando ela deixou de ser necessária.” Aquelas poucas palavras concluíram a conversa daquele dia, mas iniciaram em mim uma profunda reflexão sobre seu significado.




Sou um filósofo, portanto contemplar meus pensamentos e encontrar uma forma de expressá-los com clareza é não só uma vontade, mas também uma missão. Procuro sempre escrever em poucas linhas pensamentos que poderiam ser conversados em muitas horas; procuro sintetizar em um único aforismo uma ideia que poderia ser descrita em um livro inteiro. A ideia de que o professor não é mais necessário não saiu de minhas meditações por uma semana. Até que, em um breve momento de clareza e inspiração, escrevi em um pedaço de papel os seguintes aforismos:



sobre o desvalor. pela lógica valorizamos aquilo que é útil [por facilitar a vida. por torná-la melhor. por potencializar]. pela mesma lógica desvalorizamos aquilo que não é útil [por dificultar a vida. por torná-la pior. por despontencializar]. a palavra inútil é forte demais para a sensibilidade interpretativa de algumas pessoas [mas ela só significa que algo não é mais útil]. possivelmente tudo que já foi útil se torna inútil quando deixa de cumprir seu papel primordial de potencializar a razão de sua utilidade. o inútil persistido é perigoso. o novo útil ignorado é ainda mais perigoso. nas duas situações existe perda de potencial [de tempo e de vida]. tudo que passamos a desvalorizar é tudo que deixou de ser útil. desvalorizamos aos poucos o inútil para dar espaço ao útil. o perigo reside em insistir em valorizar o inútil ignorando sua desnecessidade. sobre aquilo que é desvalor é necessário descartá-lo. o inútil [que um dia foi leve e agora é pesado] ocupa espaço demais. o útil [que é o novo leve] precisa de muito espaço para surgir.



sobre o desvalor do professor. desempenhamos papéis e funções ao ponto de confundirmos nosso senso de identidade com a função que desempenhamos. desvalorizada está a função do professor. aquele que professa [que se confunde com o título e suas outras funções] não é mais valorizado em nossa sociedade. tudo aquilo que não tem mais valor perdeu o valor por perder sua utilidade. a função de professar conteúdos somada à autoridade e poder de controlar comportamentos e condicionar movimentos não é mais útil [por não potencializar]. de fato o papel desempenhado pelo professor é danoso. causa danos. despotencializa. o professar não tem mais valor. a função exercida pelo professor não desenvolve nem cultiva o potencial das crianças e jovens a que ele são confiados. o professar e o professor precisam acabar.





Até que ponto insistiremos e manteremos o obsoleto? Aquilo que perdeu sua função de melhorar a vida deve ser descartado. Hoje as crianças e jovens passam uma média de onze mil horas dentro de uma sala de aula durante sua vida escolar. Onze mil horas é tempo suficiente para uma pessoa percorrer o mundo a pé pela linha do Equador. É possível dar uma volta ao mundo caminhando durante o tempo que uma criança passa sentada em uma cadeira. É estimado hoje pela neurociência que uma pessoa precisa de dez mil horas de prática para se tornar um expert em alguma habilidade. Durante esse tempo o seu cérebro desenvolve redes neurais de longo prazo. Isso significa que o cérebro de um violinista, que tenha acumulado em torno de dez mil horas de prática, começa a lidar com o violino como se ele fosse uma extensão do seu corpo. O instrumento e o músico se tornam um só e a criatividade e o raciocínio passam a ser intuitivos. Durante as onze mil horas que uma criança passa dentro de uma escola ela se torna expert em que?



A função da escola deveria ser desenvolver o potencial criativo, intelectual e emocional de jovens e crianças. A palavra escola vem do grego scholé que entre outros significados quer dizer “lugar de lazer, lugar de ócio”. A sociedade contemporânea descarta o tempo livre por estar mergulhada nas ideias e ideais da era industrial. Nessa sociedade o tempo livre é usado para o consumo ou para o preparar-se para o trabalho. Sendo assim, as escolas se mantêm como espaços industriais, onde o tempo deve ser preenchido, os horários devem ser programados, os conteúdos devem ser empilhados, os movimentos e comportamentos devem ser controlados e limitados, onde as pessoas devem ser uniformes e homogêneas. A escola atual é um espaço limitador que muito difere da origem de seu nome. O scholé era um espaço de pensamento aberto e livre, um lugar para desenvolver o máximo do potencial do ser humano. A escola de hoje não é livre e não dá liberdade.



O papel do professor dentro dessa escola é de controlar comportamentos, ensinar conhecimento e limitar movimentos (físicos e intelectuais). E, ao contrário do que se possa parecer, ensinar conhecimentos é uma forma de limitação. Uma limitação intelectual e criativa que condiciona o pensar, o entender, o compreender, o agir. Até mesmo o tão falado “pensamento crítico” é ensinado: é apenas mais uma lógica e conjunto de discursos a ser memorizado. A escola é um espaço para desenvolver a memória ao invés de impulsionar a imaginação. Imaginação é a matéria-prima da inovação. A escola e a função exercida pelo professor de professar conteúdos mata aos poucos (e às vezes de uma só vez) a imaginação: a habilidade inerente do ser humano de criar contextos, gerar hipóteses, desenhar mapas conceituais, fazer simulações mentais, pensar no não material. A escola nos afasta da habilidade mais preciosa que temos, a de abstrair. Foram das abstrações de Pitágoras que compreendemos relações geométricas e matemáticas; das abstrações de Leonardo da Vinci que pudemos contemplar a simetria e o funcionamento do corpo humano, da dinâmica do vôo, entre inúmeras outras coisas; das abstrações de Albert Einstein compreendemos melhor a lógica do universo. Tudo que somos enquanto sociedade surgiu das abstrações imagéticas de homens e mulheres que puderam dar continuidade a sua habilidade de pensar e criar. Pessoas que mantiveram aceso o olhar espontâneo e atento da infância, aquilo que chamo de “natureza do olhar”.





A escola hoje é inimiga dessa natureza do olhar da infância. Ela é sacrificada na transformação de crianças e jovens em adultos. Os que mais admiramos em nossa história são aqueles poucos que tiveram as condições (a sorte ou a coragem) de transgredir o condicionamento imposto por aqueles que professavam os conhecimentos e controlavam os comportamentos da época. Vivemos em uma filosofia educacional paradoxal: queremos formar e formatar, mas aplaudimos e aclamamos justamente aqueles que estão fora de fôrmas e fórmas. O que entendemos como genialidade é oposto ao que fazemos. A genialidade é uma condição de liberdade de pensamento. E quem prende o pensamento é o professor.



Voltei àquela escola onde fui perguntado sobre a desvalorização do professor. Passei uma semana em longas e intensas conversas com um grupo pequeno de educadores que estavam interessados e entusiasmados com a possibilidade de fazer uma revolução naquele lugar. A mudança é algo que todos queremos, mas o que menos encontramos pessoas dispostas a fazer. Como filósofo, chego a conclusão que a mudança que deve ser feita na educação é acabar com a função e profissão do professor. Ela não é mais necessária, causa sérios danos à criatividade e autonomia dos jovens e crianças que estão sujeitos a sua autoridade. Creio que precisamos resgatar o papel do pedagogo. A palavra pedagogia vem do grego “acompanhar a criança”. O pedagogo era o escravo ateniense que “acompanhava a criança” no seu percurso entre os mestres (que detinham o conhecimento). Durante o percurso, o pedagogo conversava com a criança sobre o que ela havia vivenciado e experimentado no dia. Podemos escolher acreditar que o potencial da criança se desenvolvia por ouvir os mestres. Particularmente, acredito que o potencial da criança era cultivado e desenvolvido pela relação informal, espontânea, livre e comprometida do pedagogo com a criança. De qualquer forma, hoje não há necessidade de mestres que professem, já que o conhecimento e a informação não estão concentrados em poucas pessoas, mas sim disponíveis em grande quantidade em inúmeros lugares e fontes. O que precisamos é de pedagogos: pessoas que acompanhem as crianças e jovens no seu processo individual de exploração.



Sobre a necessidade de acabar com o papel do professor, posso dizer que ela é quase um imperativo ético e moral do nosso tempo. Não podemos continuar a sacrificar potenciais e talentos em nome de uma função que não é mais necessária. Insistir naquilo que despontencializa é perigoso. Não reconhecer e abrir caminho para aquilo que potencializa é perigoso. O professor não deve ser valorizado. Um novo profissional da educação deve ser inventado para substituir o espaço vazio que vemos hoje clamar por ser preenchido no universo educacional.



A Pedagogia da Compaixão é uma filosofia educacional que tem o objetivo de abrir caminho para essa nova educação baseada na liberdade e para esse novo educador que não prende, que dá liberdade e que é livre.

Marcelo Sando é filósofo e escritor. Autor do livro Notas & Reflexões Sobre Educação pela Editora Melo.

Artigo para a Revista Aprendizagem de Julho de 2011

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