Queridas Alunas das Disciplinas: Teorias do currículo e Políticas Educacionais 1.
O texto que segue, aponta para muitas questões que foram tratadas ao longo do semestre.
Desfrutem desta leitura procurando fazer as conecções necessárias.
Aproveitem para fazer seus comentários e postagens.
Deixo aqui o meu registro positivo quanto aos conteúdos desenvolvidos e as apresentações dos grupos.
Boa leitura!!!!
> Revista Gestão Universitária, Edição 246
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Escola e Educação
Claudionor Brito da Silva Junior / Edilma Cotrim da Silva
Ao mencionarmos sobre escola ou educação, sempre há uma confusão conceitual, pois os conceitos são fundidos em um só. Para melhor compreensão, vamos retomar a definição própria de cada um desses conceitos. A educação sempre esteve presente em todos os fóruns sociais. Ela é uma atividade humana que caminha junto com a evolução das sociedades e em quaisquer circunstâncias das nossas vidas está presente. Na perspectiva deste estudo, é preciso deixar de lado as numerosas definições de educação, há de se criar um limite conceitual, atendendo ao sentido amplo, onde educação diz respeito à existência. Assim, de acordo com BRANDÃO (1993. p. 42), a educação: É um processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função dos seus interesses, ou seja, o processo pelo qual a sociedade atua constantemente sobre o desenvolvimento do ser humano no intento de integrá-lo no modo de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e buscar os fins coletivos.” Diante da organização das sociedades, esse conceito sofreu várias modificações, e na prática encontramos um sistema educacional veiculando interesses políticos, econômicos e sociais que, em detrimento do poder, suplanta o interesse das pessoas e dos grupos sociais. Para materialização dessa prática, utiliza-se do espaço físico chamado escola, que se constitui de um estabelecimento público, ou privado onde se ministra o ensino coletivo e sistemático.
O que passa a interessar neste trabalho é o estabelecimento público, ou escola pública, compreendida como um espaço que encerra uma dimensão que significa aquilo que é comum a um povo, ou seja, sua cultura, suas crenças, seus valores e seus desejos. Interessa também esclarecer que alunos trabalhadores rurais são crianças ainda menores de idade que dividem o seu tempo entre freqüentar a escola regularmente e auxiliar seus familiares na lide do campo ou com prestações de serviços a outrem com o intuito de aumentar a renda doméstica. É bom lembrar que me atenho àqueles da 1ª. à 4ª. séries do ensino fundamental, uma vez que contamos, especialmente no Nordeste, com poucas escolas rurais que dão continuidade a essas séries.
Cabe dizer que escola, nesse espaço de estudo, é concebida como uma organização que detém, em sua estrutura física, itens pedagógicos e filosóficos como: a sua finalidade, que é a de adequar as necessidades individuais ao meio, e para isso a vida é a atriz principal; os conteúdos de ensino, que deverão ser estabelecidos em função de experiências que os atores sociais vivenciam; os métodos de ensino onde se priorize o “aprender fazer fazendo” e as relações entre professor e aluno, ressaltando que o papel do professor é auxiliar na construção do conhecimento, priorizando as decisões do grupo. Como bem define FREIRE (1987), a Escola é um espaço para onde as crianças e os jovens, os professores, todos gostem de ir e sintam que é sua, não a abandonam e dela não se deixam expulsar. É esperado que a educação ministrada pela escola seja a principal influência no desenvolvimento bem sucedido do ser humano, oferecendo boas perspectivas para diminuir as estatísticas dos que estão à margem da sociedade. A escola, portanto, só poderia assumir sua função cultural e formadora em conexão com os interesses da comunidade na qual ela está inserida. Dentro de uma sociedade com divisões de classe, a exemplo do Brasil, não há interesse em formar indivíduos com iguais oportunidades, daí o saber passa a ser privilégio de um grupo, ainda como diz BRANDÃO (1993. p.33) “Assim, aos poucos acontece com a educação o que acontece com todas as outras práticas sociais (a medicina, a religião, o bem-estar, o lazer) sobre as quais um dia surge um interesse político de controle.”
É desse interesse político que se define o grupo que tem o direito e o poder de legislar sobre a educação, ou seja, de definir aquilo em que deve consistir a educação institucionalizada, escolarizada. Dessa forma o desenvolvimento educativo está vinculado ao sistema político ideológico e não ao sistema produtivo. Cria-se, portanto, uma educação massificadora sem levar em conta as diversidades e diferenças inerentes ao contexto de um país. Com currículos centralmente planejados, a escola se torna uma massa amorfa, perdendo, assim, a individualidade. No momento em que a educação se materializa na prática educativa dentro do universo escolar, ela passa a constituir formas concretas, surgindo as contradições, ou seja, é no exercício dessa prática que vão se produzindo e reafirmando as desigualdades. Nesse contexto a aprendizagem é realizada isoladamente das realidades de vidas. As escolas separam o trabalho intelectual do manual. Diz FREIRE (1987. p. 57): (...) “O educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos de realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação.” (...).
Ao formar o divisor que separa a escola da comunidade, fica impossibilitada a ligação entre a vida cotidiana e a organização escolar. Dentro desse cenário comprometido, aparece a educação desenvolvida nas escolas inseridas no meio rural. Por ser apenas uma extensão da escola planejada para a cidade, em pouco se modifica, é uma repetição da escola urbana, importando também os seus erros, o que muda é o espaço físico e a falta de recursos materiais. Em um canto qualquer, numa casa abandonada, num quarto na casa da professora, ou na Igreja alojam-se os alunos e institui-se que ali é a escola. Numa prática ritualizada, todos têm que permanecer nesse espaço durante quatro horas diariamente. Inspiro-me em ARROYO (1991. p.41) quando ele diz que “uma escola possível para o povo tem que começar por criar condições para sua existência material, sem a qual será romântico reprogramar alternativas pedagógicas inovadoras”.(...). Essa realidade apresentada se evidencia com mais freqüência nas regiões Norte e Nordeste brasileiras. Quando não são os espaços físicos impeditivos para a efetivação adequada da escola, são as condições de vida impostas pelo trabalho no campo.
Quando se vencem todas essas dificuldades, a concretização da prática se esbarra nos currículos unificados que são desenvolvidos na comunidade rural, contemplando o aluno como se estivesse num vazio cultural e histórico, condenados a um interminável isolamento social. Na Construção da Pedagogia da Autonomia, FREIRE (1992) diz que é preciso considerar o aluno não como ser cognitivo ou psicológico, mas como humano que sente, faz, deseja, sonha, aprende, erra, chora, constrói, desconstrói, um humano incompleto, inacabado, como tudo que o cerca. Ao contemplar um currículo abstrato, academicista, influenciado apenas por aqueles que o programaram, onde os principais atores são ignorados nos seus conteúdos culturais e existenciais, a escola no meio rural nega a possibilidade de uma transformação pessoal e social. Conseqüentemente, no exercício dessa prática adversa, o educando é marginalizado, excluído. Ao negar os saberes construídos na prática social do camponês, a escola separa o saber produzido nas práticas sociais do saber escolar, gerando a contradição do que ela propõe que é a integração do ser humano como um todo. Lembro o que diz GRAMSCI (1978. p. 420) sobre o trabalho: “é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na vida da natureza, visando transformá-la e socializá-la cada vez mais profunda e extensamente”. Desprezar o trabalho como fonte de construção do saber na prática escolar faz com que a aprendizagem ocorra desconexa da realidade de vida. A equivalência entre o aprendido dentro de sala com o aprendido fora não existe, é negada a construção de conhecimento a partir dos saberes preexistentes no contexto cultural, no momento em que são desconhecidos os principais elementos da prática social da comunidade: sua religiosidade, lazer, conflitos, sua história e suas aspirações, elementos esses significativos e que se articulam com os conteúdos propostos pela escola.
A efetivação da prática, principalmente no meio rural, ignora os principais elementos que compõem o universo da comunidade como foi colocado nos resultados de pesquisa apresentados por GATTI (1993. p. 135): “O ensino se realiza exclusivamente em sala de aula, não se utilizando, em nenhum momento, dos espaços sociais disponíveis. Presa aos conteúdos veiculados nos livros didáticos, a professora não fazia uso de situações cotidianas (trabalho, lazer, etc) nem de materiais acessíveis no meio ecológico e social para incentivar a criatividade, expandir a compreensão ou mesmo promover a observação e experimentação, elementos indispensáveis ao raciocínio e à crítica da experiência.” Há uma falta de transparência nos objetivos educacionais. A aprendizagem se realiza alheia às realidades da vida. A cada dia aumenta a queixa pelo descaso dos alunos frente aos conteúdos estudados e pela falta de interesse em freqüentar a escola. A escola que se propõe ser um fator de desenvolvimento e atender às solicitações de seus atores, ajudar e incentivar a permanência e fixação do homem no seu contexto social, ao exercitar a sua prática, colabora de forma acentuada para a destituição de identidade desse povo, incentivando a emigração deste para outro contexto. Fica claro que não é só da escola a responsabilidade do êxodo rural, ela é uma peça a mais no processo que força a constituição dessa prática. Há um movimento em descompasso no contexto da educação onde estão em jogo os significados do social, do humano e principalmente da cultura. Há uma tendência, nesse novo contexto, de desconstruir o ser humano, ao impor uma cultura globalizada e de interpretar o mundo com o olhar dos que colonizam ou dominam.
Antes de atribuir razões diversas para explicar por que o aluno não demonstra interesse nos conteúdos estudados, é preciso ter consciência de que a ótica do aluno não é a que ele deseja e sim a que ele construiu dentro das suas relações sociais, da sua subjetividade e de seu meio ambiente. Explicar essas razões requer uma compreensão mais profunda do universo que constitui essas pessoas. As conseqüências geradas por esse contexto problemático da educação não são alheias ao governo, pois o seu papel é administrar esse sistema e zelar para que produza, de forma consistente, o domínio central de conhecimentos pela grande maioria dos alunos. Os resultados apresentados são comprometedores. Portanto, de forma consciente continua a repetição dos erros do passado. Precisa-se entender que para a busca de soluções é preciso ter clareza sobre o papel do governo, pois não é sua missão nem seu interesse desenvolver metodologias e técnicas pedagógicas inovadoras, como nos mostra ARROYO (1991, p.18): “Temos consciência de que esse sistema escolar nasceu e se estruturou marcado por interesse de classe. Não foi montado para servir às classes trabalhadoras, mas aos futuros dirigentes, executivos, profissionais e teóricos da burguesia.”
Como diagnóstico dos resultados negativos apresentados pela escola, foi atribuída ao povo a responsabilidade, pois o Estado passa a ser inocentado diante da evasão, defasagem e fracasso, de vítima ele passa a ser réu. Atualmente presenciamos o governo impor a avaliação institucional, e os resultados, quando negativos, são atribuídos ao despreparo dos professores, à falta de empenho dos alunos ou à má administração dos reitores e diretores, em nenhum momento é atribuído qualquer tipo de responsabilidade ao governo. O aluno é visto como atrasado, carente, lento para aprender, sem informação e sem herança cultural. como se tudo estivesse garantido para que isso não acontecesse. Diante dos fatos, as políticas educacionais se voltam para tentar suprir essas deficiências geradas. Só que, ao tentar corrigir essas distorções, usam de expedientes que comprovadamente não deram certo; a exemplo podemos citar os inúmeros projetos já executados, tanto aqui no Nordeste, como em outras regiões do país. Ao lidar com adversidades e culturas diferentes, não podemos acreditar que com decreto se possa resolver esse tipo de problema. As discussões pós-modernas trazidas por SILVA (1998), SILVA (et al. 1999) e outros têm mostrado como a prática educativa interfere na produção da subjetividade e identidade. Esse movimento pode ser negativo ou positivo, tendo em vista o questionamento de que tipo de identidade tem sido formado. Quem tem sido beneficiado? Certamente, não se pode mais desejar que rotinas e rituais escolares continuem a contribuir com a adoção de posicionamentos que ignorem aqueles que se sentam nos bancos das escolas públicas, destituindo-os de sua identidade.
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