Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*
Ninguém sentirá a nossa falta, a não ser nós mesmos.
"Viva sem limites"; "Por que você merece"; "Tudo por você"; "Dinheiro não
traz felicidade, mas ajuda a comprar."; "Felicidade não se compra, para todo
o resto, existe o cartão de crédito."; "Para nós você é especial."
A propaganda que estimula o consumo o associa ao desejo de realização, de
sucesso, de felicidade. Entretanto, oculta o fato de que é uma promessa que
vale para poucos. Os que conseguem pagar.
A questão da sustentabilidade é muito mais profunda que apenas um problema a
ser resolvido com reciclagem ou tecnologias limpas.
A frustração pelo desejo de consumo reprimido cumpre papel importante na
manutenção do sistema onde ser consumidor parece ser mais importante que ser
cidadão. Ao invés de querer se libertar, as pessoas querem é mais. Mais
trabalho, mais produção, mais consumo.
Todos nos precisamos de sonho, de esperança, de ter algo pelo qual lutar e
geralmente lutamos pelo que não temos e queremos ter, algo que não seja
inatingível, por que aí tem o efeito contrario, de nos desanimar, mas que
esteja em nosso alcance, dependendo apenas de algum esforço e sacrifício. A
propaganda captura este nosso imaginário e o orienta para o consumo. Oferece
o sonho de um mundo melhor, da felicidade, do amor, da qualidade de vida,
tudo ao alcance de quem estiver disposto a se comprar ou se endividar.
A vida praticamente foi reduzida a duas dimensões, trabalhar incessantemente
numa ponta e consumir na outra, até aonde nosso dinheiro ou credito alcança.
Até mesmo o amor, a amizade, foram capturados pela lógica do consumo. A
medida do quanto gostamos de alguém é avaliada se lembramos ou não de
comprar algum presentinho, e qual é o valor do presentinho. As maiores
vítimas são as crianças. Elas não podem comprar, mas influenciam quem pode.
A propaganda se beneficia ainda da preguiça de pensar. Em tempos de
informações instantâneas no Twitter, MSN e Facebook, de servidores de busca
que colocam à mão qualquer coisa que se queira saber, a idéia de perder
tempo pensando, refletindo sobre alguma coisa, pode parecer uma eternidade.
Sem massa critica, a propaganda fica à vontade para se inserir
subliminarmente em nossos desejos, cria novas necessidades, reforça marcas,
oferece produtos, ofertas, estilo de vida e valores quando menos esperamos,
por exemplo, quando estamos relaxados vendo um filme, uma novela, um
esporte.
A ordem é consumir. O desejo foi libertado de seus limites. O consumidor é
estimulado a viver sem limites e ir alem, por que merece, por que é um
privilegio.
Consumir passou a ser muito mais que um ato de atender a necessidades como
comer vestir, morar. Passou a ser é sinônimo de sucesso, felicidade, de se
sentir pertencendo e reconhecido socialmente. Em torno do consumo a
sociedade se organizou em classes sociais. Quem demonstra possuir muitos
bens é considerado da classe rica, quem não tem é enquadrado nas classes
mais baixas, com os remediados no meio. Quem está abaixo da linha da pobreza
não pertence a classe alguma. Para o mercado é como se não existissem. O
poder de consumo passa a definir a importância que alguém tem na sociedade.
Uma sociedade que tira vantagens da exclusão social. Primeiro, para manter
os descontentes no seu lugar, pois qualquer vacilo e uma fila de excluídos
estará à espera de qualquer oportunidade de inserção no mercado. Segundo,
para usar a necessidade e as carências dos excluídos para justificar a
pegada ecológica crescente e ilimitada, embora não distribua de maneira
justa os resultados da exploração dos recursos naturais, mantendo os
excluídos com suas carências enquanto concentra mais renda.
Nem é preciso mais chicotes ou correntes como no passado para que todos se
obriguem a se tornarem escravos, dedicando o melhor de seu tempo, vida,
criatividade ao trabalho, por 10 a 12 horas diárias. São escravos da
informação e da propaganda manipulada e tendenciosa, que oferece o paraíso e
o entrega apenas para uns poucos. As pessoas não pensam em se libertar,
muito pelo contrário, sonham com a possibilidade de um dia também ter acesso
ao estilo de vida e ao padrão de consumo dos mais ricos. O mundo é dividido
subliminarmente em países de primeiro, segundo e terceiro mundo, como se
houvesse uma corrida pelo desenvolvimento onde uns chegaram primeiro e os
outros ainda estão correndo atrás do prejuízo. Seria verdade se, na hipótese
de todos chegarem ao mesmo padrão de consumo dos mais ricos houvesse planeta
suficiente de recursos para todos.
Quando os cientistas alertam sobre o fato de já estarmos consumindo cerca de
trinta por cento a mais de recursos naturais, quando ambientalistas alertam
sobre a necessidade de se 'pegar leve', repensar o consumo, adotar o consumo
responsável, ser sustentável, não parecem fazer muito sentido para a lógica
do consumo.
Logo surgem pessoas para tentar descredenciar os cientistas sob o argumento
que não demonstram ter muita certeza de suas projeções. E que os
ambientalistas não parecem se importar com as pessoas e sim com as plantas e
os animais.
Muito menos os ricos parecem dispostos a querer ceder do direito de pegar
mais. E os excluídos tem todo o direito de almejar um mínimo de consumo para
atender às suas necessidades. O impasse está posto, desafiando a humanidade.
O que talvez as pessoas não tenham se atentado ainda é que o planeta, a
natureza, vão muito bem, obrigado. Não precisam de nós para nada, nem para
salvá-los de nós mesmos. Bastariam algumas centenas de anos sem nós e a
natureza se recuperaria sozinha em sua plena forma. Quem precisa da natureza
somos nós e se a continuarmos tratando como se fosse um armazém de recursos
infinitos para nosso consumo crescente e ilimitado e uma lixeira enorme
capaz de receber nossos restos infinitamente, corremos sérios ricos de
desaparecer, como os dinossauros. E ninguém sentirá a nossa falta, a não ser
nós mesmos.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede
Brasileira de Informação Ambiental (
www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente
(que substituiu o Jornal do Meio
Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente (
www.portaldomeioambiente.org.br )
Ninguém sentirá a nossa falta, a não ser nós mesmos.
"Viva sem limites"; "Por que você merece"; "Tudo por você"; "Dinheiro não
traz felicidade, mas ajuda a comprar."; "Felicidade não se compra, para todo
o resto, existe o cartão de crédito."; "Para nós você é especial."
A propaganda que estimula o consumo o associa ao desejo de realização, de
sucesso, de felicidade. Entretanto, oculta o fato de que é uma promessa que
vale para poucos. Os que conseguem pagar.
A questão da sustentabilidade é muito mais profunda que apenas um problema a
ser resolvido com reciclagem ou tecnologias limpas.
A frustração pelo desejo de consumo reprimido cumpre papel importante na
manutenção do sistema onde ser consumidor parece ser mais importante que ser
cidadão. Ao invés de querer se libertar, as pessoas querem é mais. Mais
trabalho, mais produção, mais consumo.
Todos nos precisamos de sonho, de esperança, de ter algo pelo qual lutar e
geralmente lutamos pelo que não temos e queremos ter, algo que não seja
inatingível, por que aí tem o efeito contrario, de nos desanimar, mas que
esteja em nosso alcance, dependendo apenas de algum esforço e sacrifício. A
propaganda captura este nosso imaginário e o orienta para o consumo. Oferece
o sonho de um mundo melhor, da felicidade, do amor, da qualidade de vida,
tudo ao alcance de quem estiver disposto a se comprar ou se endividar.
A vida praticamente foi reduzida a duas dimensões, trabalhar incessantemente
numa ponta e consumir na outra, até aonde nosso dinheiro ou credito alcança.
Até mesmo o amor, a amizade, foram capturados pela lógica do consumo. A
medida do quanto gostamos de alguém é avaliada se lembramos ou não de
comprar algum presentinho, e qual é o valor do presentinho. As maiores
vítimas são as crianças. Elas não podem comprar, mas influenciam quem pode.
A propaganda se beneficia ainda da preguiça de pensar. Em tempos de
informações instantâneas no Twitter, MSN e Facebook, de servidores de busca
que colocam à mão qualquer coisa que se queira saber, a idéia de perder
tempo pensando, refletindo sobre alguma coisa, pode parecer uma eternidade.
Sem massa critica, a propaganda fica à vontade para se inserir
subliminarmente em nossos desejos, cria novas necessidades, reforça marcas,
oferece produtos, ofertas, estilo de vida e valores quando menos esperamos,
por exemplo, quando estamos relaxados vendo um filme, uma novela, um
esporte.
A ordem é consumir. O desejo foi libertado de seus limites. O consumidor é
estimulado a viver sem limites e ir alem, por que merece, por que é um
privilegio.
Consumir passou a ser muito mais que um ato de atender a necessidades como
comer vestir, morar. Passou a ser é sinônimo de sucesso, felicidade, de se
sentir pertencendo e reconhecido socialmente. Em torno do consumo a
sociedade se organizou em classes sociais. Quem demonstra possuir muitos
bens é considerado da classe rica, quem não tem é enquadrado nas classes
mais baixas, com os remediados no meio. Quem está abaixo da linha da pobreza
não pertence a classe alguma. Para o mercado é como se não existissem. O
poder de consumo passa a definir a importância que alguém tem na sociedade.
Uma sociedade que tira vantagens da exclusão social. Primeiro, para manter
os descontentes no seu lugar, pois qualquer vacilo e uma fila de excluídos
estará à espera de qualquer oportunidade de inserção no mercado. Segundo,
para usar a necessidade e as carências dos excluídos para justificar a
pegada ecológica crescente e ilimitada, embora não distribua de maneira
justa os resultados da exploração dos recursos naturais, mantendo os
excluídos com suas carências enquanto concentra mais renda.
Nem é preciso mais chicotes ou correntes como no passado para que todos se
obriguem a se tornarem escravos, dedicando o melhor de seu tempo, vida,
criatividade ao trabalho, por 10 a 12 horas diárias. São escravos da
informação e da propaganda manipulada e tendenciosa, que oferece o paraíso e
o entrega apenas para uns poucos. As pessoas não pensam em se libertar,
muito pelo contrário, sonham com a possibilidade de um dia também ter acesso
ao estilo de vida e ao padrão de consumo dos mais ricos. O mundo é dividido
subliminarmente em países de primeiro, segundo e terceiro mundo, como se
houvesse uma corrida pelo desenvolvimento onde uns chegaram primeiro e os
outros ainda estão correndo atrás do prejuízo. Seria verdade se, na hipótese
de todos chegarem ao mesmo padrão de consumo dos mais ricos houvesse planeta
suficiente de recursos para todos.
Quando os cientistas alertam sobre o fato de já estarmos consumindo cerca de
trinta por cento a mais de recursos naturais, quando ambientalistas alertam
sobre a necessidade de se 'pegar leve', repensar o consumo, adotar o consumo
responsável, ser sustentável, não parecem fazer muito sentido para a lógica
do consumo.
Logo surgem pessoas para tentar descredenciar os cientistas sob o argumento
que não demonstram ter muita certeza de suas projeções. E que os
ambientalistas não parecem se importar com as pessoas e sim com as plantas e
os animais.
Muito menos os ricos parecem dispostos a querer ceder do direito de pegar
mais. E os excluídos tem todo o direito de almejar um mínimo de consumo para
atender às suas necessidades. O impasse está posto, desafiando a humanidade.
O que talvez as pessoas não tenham se atentado ainda é que o planeta, a
natureza, vão muito bem, obrigado. Não precisam de nós para nada, nem para
salvá-los de nós mesmos. Bastariam algumas centenas de anos sem nós e a
natureza se recuperaria sozinha em sua plena forma. Quem precisa da natureza
somos nós e se a continuarmos tratando como se fosse um armazém de recursos
infinitos para nosso consumo crescente e ilimitado e uma lixeira enorme
capaz de receber nossos restos infinitamente, corremos sérios ricos de
desaparecer, como os dinossauros. E ninguém sentirá a nossa falta, a não ser
nós mesmos.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede
Brasileira de Informação Ambiental (
www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente
(que substituiu o Jornal do Meio
Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente (
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