terça-feira, 20 de dezembro de 2011

PARA REFLETIR

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


Ninguém sentirá a nossa falta, a não ser nós mesmos.



"Viva sem limites"; "Por que você merece"; "Tudo por você"; "Dinheiro não

traz felicidade, mas ajuda a comprar."; "Felicidade não se compra, para todo

o resto, existe o cartão de crédito."; "Para nós você é especial."



A propaganda que estimula o consumo o associa ao desejo de realização, de

sucesso, de felicidade. Entretanto, oculta o fato de que é uma promessa que

vale para poucos. Os que conseguem pagar.



A questão da sustentabilidade é muito mais profunda que apenas um problema a

ser resolvido com reciclagem ou tecnologias limpas.



A frustração pelo desejo de consumo reprimido cumpre papel importante na

manutenção do sistema onde ser consumidor parece ser mais importante que ser

cidadão. Ao invés de querer se libertar, as pessoas querem é mais. Mais

trabalho, mais produção, mais consumo.



Todos nos precisamos de sonho, de esperança, de ter algo pelo qual lutar e

geralmente lutamos pelo que não temos e queremos ter, algo que não seja

inatingível, por que aí tem o efeito contrario, de nos desanimar, mas que

esteja em nosso alcance, dependendo apenas de algum esforço e sacrifício. A

propaganda captura este nosso imaginário e o orienta para o consumo. Oferece

o sonho de um mundo melhor, da felicidade, do amor, da qualidade de vida,

tudo ao alcance de quem estiver disposto a se comprar ou se endividar.



A vida praticamente foi reduzida a duas dimensões, trabalhar incessantemente

numa ponta e consumir na outra, até aonde nosso dinheiro ou credito alcança.





Até mesmo o amor, a amizade, foram capturados pela lógica do consumo. A

medida do quanto gostamos de alguém é avaliada se lembramos ou não de

comprar algum presentinho, e qual é o valor do presentinho. As maiores

vítimas são as crianças. Elas não podem comprar, mas influenciam quem pode.



A propaganda se beneficia ainda da preguiça de pensar. Em tempos de

informações instantâneas no Twitter, MSN e Facebook, de servidores de busca

que colocam à mão qualquer coisa que se queira saber, a idéia de perder

tempo pensando, refletindo sobre alguma coisa, pode parecer uma eternidade.



Sem massa critica, a propaganda fica à vontade para se inserir

subliminarmente em nossos desejos, cria novas necessidades, reforça marcas,

oferece produtos, ofertas, estilo de vida e valores quando menos esperamos,

por exemplo, quando estamos relaxados vendo um filme, uma novela, um

esporte.



A ordem é consumir. O desejo foi libertado de seus limites. O consumidor é

estimulado a viver sem limites e ir alem, por que merece, por que é um

privilegio.



Consumir passou a ser muito mais que um ato de atender a necessidades como

comer vestir, morar. Passou a ser é sinônimo de sucesso, felicidade, de se

sentir pertencendo e reconhecido socialmente. Em torno do consumo a

sociedade se organizou em classes sociais. Quem demonstra possuir muitos

bens é considerado da classe rica, quem não tem é enquadrado nas classes

mais baixas, com os remediados no meio. Quem está abaixo da linha da pobreza

não pertence a classe alguma. Para o mercado é como se não existissem. O

poder de consumo passa a definir a importância que alguém tem na sociedade.



Uma sociedade que tira vantagens da exclusão social. Primeiro, para manter

os descontentes no seu lugar, pois qualquer vacilo e uma fila de excluídos

estará à espera de qualquer oportunidade de inserção no mercado. Segundo,

para usar a necessidade e as carências dos excluídos para justificar a

pegada ecológica crescente e ilimitada, embora não distribua de maneira

justa os resultados da exploração dos recursos naturais, mantendo os

excluídos com suas carências enquanto concentra mais renda.



Nem é preciso mais chicotes ou correntes como no passado para que todos se

obriguem a se tornarem escravos, dedicando o melhor de seu tempo, vida,

criatividade ao trabalho, por 10 a 12 horas diárias. São escravos da

informação e da propaganda manipulada e tendenciosa, que oferece o paraíso e

o entrega apenas para uns poucos. As pessoas não pensam em se libertar,

muito pelo contrário, sonham com a possibilidade de um dia também ter acesso

ao estilo de vida e ao padrão de consumo dos mais ricos. O mundo é dividido

subliminarmente em países de primeiro, segundo e terceiro mundo, como se

houvesse uma corrida pelo desenvolvimento onde uns chegaram primeiro e os

outros ainda estão correndo atrás do prejuízo. Seria verdade se, na hipótese

de todos chegarem ao mesmo padrão de consumo dos mais ricos houvesse planeta

suficiente de recursos para todos.



Quando os cientistas alertam sobre o fato de já estarmos consumindo cerca de

trinta por cento a mais de recursos naturais, quando ambientalistas alertam

sobre a necessidade de se 'pegar leve', repensar o consumo, adotar o consumo

responsável, ser sustentável, não parecem fazer muito sentido para a lógica

do consumo.



Logo surgem pessoas para tentar descredenciar os cientistas sob o argumento

que não demonstram ter muita certeza de suas projeções. E que os

ambientalistas não parecem se importar com as pessoas e sim com as plantas e

os animais.



Muito menos os ricos parecem dispostos a querer ceder do direito de pegar

mais. E os excluídos tem todo o direito de almejar um mínimo de consumo para

atender às suas necessidades. O impasse está posto, desafiando a humanidade.



O que talvez as pessoas não tenham se atentado ainda é que o planeta, a

natureza, vão muito bem, obrigado. Não precisam de nós para nada, nem para

salvá-los de nós mesmos. Bastariam algumas centenas de anos sem nós e a

natureza se recuperaria sozinha em sua plena forma. Quem precisa da natureza

somos nós e se a continuarmos tratando como se fosse um armazém de recursos

infinitos para nosso consumo crescente e ilimitado e uma lixeira enorme

capaz de receber nossos restos infinitamente, corremos sérios ricos de

desaparecer, como os dinossauros. E ninguém sentirá a nossa falta, a não ser

nós mesmos.



* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede

Brasileira de Informação Ambiental (

www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente

(que substituiu o Jornal do Meio

Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente (

www.portaldomeioambiente.org.br )





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